Pediatras denunciam bullying envolvendo alergia alimentar
Segundo pesquisa americana, um terço das crianças entrevistadas relatou ter sofrido bullying por causa de alergias. Pais sabiam das ameaças em apenas metade dos casos
NYT | 25/06/2013 05:00:59
Qualquer diferença serve para separar alunos dos colegas e
transformá-los em alvos potenciais de bullying. Porém, alergia severa a
comida é uma vulnerabilidade singular. Basta um almoço ou festa de
aniversário para as outras crianças saberem quais colegas não podem
comer nozes, ovos, leite ou uma quantidade mínima de trigo. Pode demorar
até eles compreenderem como é assustador viver com uma alergia que pode
ser letal.
Getty Images
"Intimidação via alergia alimentar nunca é piada porque alguém pode
terminar no pronto-socorro", afirma o diretor-presidente do Food Allergy
Research and Education, John Lehr
De forma surpreendente, os colegas podem se aproveitar dessa
vulnerabilidade, tramando trocar o lanche para ver se, por exemplo, a
criança fica enjoada ou cuspir leite em seu rosto para provocar uma
rápida reação anafilática.
Segundo
pesquisa recente com 251 conjuntos de pais e filhos com alergias a
alimentos, publicados na revista "Pediatrics" no mês de janeiro,
praticamente um terço das crianças relatou ter sofrido bullying por
causa das alergias. Os pais sabiam do comportamento ameaçador em apenas
metade das vezes.
Robert
Wood, diretor de alergia pediátrica do Centro Infantil Johns Hopkins,
em Baltimore, nos Estados Unidos, escuta "relatos muito frequentes" de
intimidação dos pacientes e dos pais. Na semana passada, uma criança
teve o rosto lambuzado com creme de amendoim, colocando-a em risco.
Geralmente, o bullying não é tão radical, mas o fenômeno "sempre
existe".
Cantina da escola
Agora, no entanto, a questão está começando a chamar a atenção. Em maio,
o Food Allergy Research and Education, grupo sem fins lucrativos de
McLean, Virgínia, divulgou um comunicado de serviço público destacando o
tema com um estudante lamentando o fato de a cantina da escola ser um
"lugar assustador". O vídeo teve mais de 17 mil visualizações no
YouTube, tendo sido exibido na rede de televisão CW, levando dezenas de
pais a contar episódios inquietantes na página do grupo no Facebook.
"O
bullying não deveria ser visto como um rito de passagem", afirmou John
Lehr, diretor-presidente do grupo. "Intimidação via alergia alimentar
nunca é piada porque alguém pode terminar no pronto-socorro."
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O
Centro Médico Infantil Nacional, de Washington, acabou de contratar um
psicólogo para participar do programa de alergia alimentar, em parte
para ajudar os pacientes jovens que se sentem isolados ou estão sofrendo
intimidação. De acordo com Hemant P. Sharma, diretor do programa, um
terço dos pacientes já relatou casos de bullying.
Mês
sim, mês não, uma criança conta ter sido forçada a comer um alérgeno.
"Ainda que seja apenas uma criança que se sinta isolada por causa da
alergia alimentar, o fato contribui para o fardo emocional",
afirma Hemant.
Na
verdade, algumas crianças com alergia alimentar ficam aflitas ou
ansiosas. Wood costuma mandar a criança falar com um psicólogo "porque
não tocam em maçaneta nem usam o banheiro por temerem uma exposição
inadvertida ao alérgeno".
O
Instituto Jaffe de Alergia Alimentar do Centro Médico Mount Sinai,
Manhattan, não apenas oferece orientação psicológica às crianças e aos
pais depois do episódio de bullying como também convoca os diretores em
nome do paciente.
“Você não pode comer isto”
Nem sempre as vítimas da intimidação alertam os pais. Porém, Miles
Monroe, oito anos, de Bethesda, Maryland, que é alérgico a leite, ovos e
trigo, contou aos seus pais que não se sentia à vontade na cantina
depois que um colega segurou uma embalagem de chocolate perto do rosto e
ficou cantando "você não pode comer isto".
Miles
não ficou "com medo de ficar doente por causa disso, mas se sentiu
agredido", contou Courteney Monroe, 44, mãe do menino e diretora de
marketing do canal National Geographic. A compreensiva professora de
Miles arrancou o mal pela raiz ao falar para o agressor que seria como
se ele não pudesse comer o alimento preferido (ruim), fosse provocado
com ele (pior) ou terminasse no hospital se o ingerisse (até então, esse
resultado era inconcebível).
Nem
todo professor se mostra tão preocupado. "A intimidação relacionada à
alergia alimentar nem sempre vem dos colegas, mas de adultos, como os
professores", afirmou Elisabeth Stieb, enfermeira do Centro de Alergia
Infantil do Hospital Geral de Massachusetts, Boston.
Pelo
menos 15 Estados norte-americanos têm diretrizes para a administração
da alergia alimentar nas escolas, e muitos cuidam de forma específica do
bullying. As normas do Texas pedem "tolerância zero à intimidação
ligada à alergia alimentar". Já as do Arizona sugerem que os bedéis
sejam treinados a "intervir rapidamente para ajudar a impedir a troca de
alimentos ou bullying" na cantina.
Bullying
e provocação comum não são a mesma coisa. O que os distingue não é
apenas a força diferencial entre as crianças, explicou Rashmi Shetgiri,
pediatra e pesquisadora do Centro Médico Southwestern da Universidade do
Texas, mas "alguém propositalmente tentando prejudicar outro".
Da
mesma fora que os agressores cibernéticos usam equipamentos eletrônicos
para machucar, os intimidadores da alergia alimentar "reafirmam a força
utilizando o alérgeno", disse Shetgiri.
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