Bullying não se resolve com violência
O revide transformou o garoto australiano Casey Heynes em herói da web, mas atos violentos só interrompem o ciclo momentaneamente
Renata Losso, especial para o iG São Paulo | 25/03/2011 17:46:13
Casey é agredido, mas logo reage: vídeo transformou o garoto australiano em herói da web
O
australiano Casey Heynes, 15 anos, virou ídolo na internet semana
passada. Vítima de bullying desde os primeiros dias na escola, a vida do
garoto deu uma reviravolta quando ele resolveu se defender de Ritchard
Gale, de 12 anos, que o provocava e agredia. Em autodefesa, Heynes virou o colega de ponta cabeça e o atirou no chão.
Leia também: como o bullying pode mudar a vida do seu filho
O
jovem se tornou um herói para muita gente pela imposição feita ao
agressor. Ritchard Gale, apesar de se levantar cambaleando, por sorte
não se machucou seriamente (e mais tarde deu uma entrevista afirmando ser a verdadeira vítima do bullying).
A escola dos garotos não se pronunciou. Porém, fica a questão: retrucar
violência com violência seria a melhor maneira de lidar com o bullying?
Para o psicoterapeuta Ivan Capelatto,
autor do livro “Prepare as crianças para o mundo” (Unicef) e
palestrante sobre o tema em colégios como o paulistano São Luiz, a
atitude de Casey demonstra o estresse extremo a que uma pessoa pode
chegar quando sofre a dinâmica do bullying. E o sucesso do vídeo na
internet comprova o quanto todos admiram uma vítima quando ela comete um
ato “heróico”, por assim dizer. “Foi um momento de glória”, diz o
especialista. “Mas existe a possibilidade de ele sofrer mais ainda se
continuar na mesma escola”, completa. Afinal, as crianças que cometem o
bullying costumam ser narcisistas ao extremo e ser exposto para o mundo
de uma forma humilhante alimentaria o desejo de vingança.
O psicólogo e terapeuta familiar João David Mendonça concorda.
“É compreensível e até justificável a atitude do menino, mas corremos o
risco dela se tornar um modelo para a solução do bullying”. O uso da
força em resposta à agressão pode acabar alimentando um ciclo de
violência interminável.
Mas
é difícil julgar Casey. Cássia Franco, psicóloga especialista em
terapia de casal e família, avalia a atitude do garoto como a única
possível de ser tomada naquele momento. Para ela, Casey só queria se
livrar do agressor, não realmente machucá-lo. “Reagir com violência não é
a melhor solução, mas neste caso seria uma ação efetiva para o
momento”, afirma.
Para
o psiquiatra e terapeuta Içami Tiba, autor de “Adolescentes: Quem Ama
Educa” (Integrare Editora), entre outros, violência não se resolve com
violência, mas interrompe o processo. A vítima preferida de quem pratica
o bullying é a criança que se esconde: ela não reage e não conta para
ninguém. Portanto, se uma criança está sozinha, restam poucas
alternativas de defesa.
Antes que seja tarde
Por
isso, os pais e a escola devem interferir e dar a devida atenção ao
problema. Alguns pais ficam indiferentes e consideram o comportamento
dos filhos algo normal, mas eles não devem se enganar – principalmente
porque agressões físicas e emocionais constantes podem ter efeitos
fatais. “A vítima de bullying pode se sentir tão desprezada a ponto de
ter ideias suicidas”, diz Ivan Capellato. Foi o que Casey confessou em entrevista concedida a um canal de TV australiano. “Além disso, existe também o risco deles desenvolverem doenças autoimunes”, completa.
Procurar
a escola é o primeiro passo. Segundo Mendonça, depois de acolher e
ouvir o filho com atenção, os pais devem exigir uma investigação
cuidadosa feita por professores e coordenadores. É essencial estar
sempre a par do que acontece na sala de aula, na hora do recreio e nos
corredores, assim como manter contato com outros pais, para ajudar a
tomar uma atitude caso algo aconteça. Afinal, a vida escolar da criança
vai além das notas boas ou ruins. “Os pais costumam deixar os filhos na
escola, ir trabalhar e esquecer, mas é preciso colocar o tema em
discussão”, diz Ivan.
Para
a terapeuta Cássia, o trabalho de prevenção ao bullying começa em casa,
com a educação das crianças para um melhor entendimento das relações
humanas. “Eles precisam aprender a conversar e a conciliar diferenças”,
recomenda. Além disso, é preciso prestar atenção em todos os detalhes da
vida acadêmica, principalmente no círculo social da criança e nos
sentimentos dela em relação à escola. “Precisa haver uma participação
maior dos pais na vida emocional e social dos filhos”, defende João
David. Portanto, manter a curiosidade diante da vida da criança é essencial. Afinal, quanto mais isolado e sozinho ele estiver, mais alvo fácil ele se torna.
Segundo
João David, o bullying se alimenta do silêncio. O elemento-chave capaz
de livrar Casey do tormento foi exatamente o barulho ao redor do
acontecimento. O vídeo possibilitou uma mudança histórica na vida do
menino – e não só dele. Por trás de cada história de bullying, não há
apenas a criança que está sofrendo: “Tem também o autor da agressão, uma
criança insegura, com necessidade de reconhecimento social”, diz ele.
“O que acontece com essas famílias de crianças que precisam usar a
violência para poder se sentir alguém?”.
Marcas permanentes
Içami
Tiba concorda. Assim como a vítima tem a autoestima afetada, o agressor
se utiliza da valentia como substituição de uma autoestima que ele não
tem. “Os pais do agressor devem cuidar do filho tanto quanto os pais de
quem é agredido. O problemático mesmo é o agressor”, diz o psiquiatra
(leia mais sobre como lidar com um filho que pratica bullying).
O que não pode é deixar passar. De acordo com o psicoterapeuta Ivan,
ambas as crianças precisam perceber o interesse dos pais por seus
problemas. “Elas devem sentir que são queridas, que os pais tomaram
providências”, explica.
Por
sua vez, a escola deve manter uma discussão constante e aberta sobre o
bullying e mostrar seus mecanismos às crianças a fim de evitar a prática
entre os alunos. “As sequelas do problema são muito graves”, diz Ivan
Capelatto. E as consequências do bullying para as vítimas podem durar a
vida inteira. Além da autoestima baixa, pode haver isolamento social e
timidez excessiva. Segundo Cássia, sintomas físicos podem persistir até a
vida adulta – como gastrite, desmaio ou sudorese – quando, por algum
contratempo, as memórias e sentimentos da infância vêm à tona. “São
efeitos que mexem com a identidade da pessoa e ela sempre vai ter medo
de que aquilo volte a acontecer”, diz João David.
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