terça-feira, 25 de junho de 2013

BULLYING

 Bullying não se resolve com violência

O revide transformou o garoto australiano Casey Heynes em herói da web, mas atos violentos só interrompem o ciclo momentaneamente

Renata Losso, especial para o iG São Paulo | 25/03/2011 17:46:13


Reprodução
Casey é agredido, mas logo reage: vídeo transformou o garoto australiano em herói da web
O australiano Casey Heynes, 15 anos, virou ídolo na internet semana passada. Vítima de bullying desde os primeiros dias na escola, a vida do garoto deu uma reviravolta quando ele resolveu se defender de Ritchard Gale, de 12 anos, que o provocava e agredia. Em autodefesa, Heynes virou o colega de ponta cabeça e o atirou no chão.


O jovem se tornou um herói para muita gente pela imposição feita ao agressor. Ritchard Gale, apesar de se levantar cambaleando, por sorte não se machucou seriamente (e mais tarde deu uma entrevista afirmando ser a verdadeira vítima do bullying). A escola dos garotos não se pronunciou. Porém, fica a questão: retrucar violência com violência seria a melhor maneira de lidar com o bullying?

Para o psicoterapeuta Ivan Capelatto, autor do livro “Prepare as crianças para o mundo” (Unicef) e palestrante sobre o tema em colégios como o paulistano São Luiz, a atitude de Casey demonstra o estresse extremo a que uma pessoa pode chegar quando sofre a dinâmica do bullying. E o sucesso do vídeo na internet comprova o quanto todos admiram uma vítima quando ela comete um ato “heróico”, por assim dizer. “Foi um momento de glória”, diz o especialista. “Mas existe a possibilidade de ele sofrer mais ainda se continuar na mesma escola”, completa. Afinal, as crianças que cometem o bullying costumam ser narcisistas ao extremo e ser exposto para o mundo de uma forma humilhante alimentaria o desejo de vingança.

O psicólogo e terapeuta familiar João David Mendonça concorda. “É compreensível e até justificável a atitude do menino, mas corremos o risco dela se tornar um modelo para a solução do bullying”. O uso da força em resposta à agressão pode acabar alimentando um ciclo de violência interminável.

Mas é difícil julgar Casey. Cássia Franco, psicóloga especialista em terapia de casal e família, avalia a atitude do garoto como a única possível de ser tomada naquele momento. Para ela, Casey só queria se livrar do agressor, não realmente machucá-lo. “Reagir com violência não é a melhor solução, mas neste caso seria uma ação efetiva para o momento”, afirma.

Para o psiquiatra e terapeuta Içami Tiba, autor de “Adolescentes: Quem Ama Educa” (Integrare Editora), entre outros, violência não se resolve com violência, mas interrompe o processo. A vítima preferida de quem pratica o bullying é a criança que se esconde: ela não reage e não conta para ninguém. Portanto, se uma criança está sozinha, restam poucas alternativas de defesa.

Antes que seja tarde 

Por isso, os pais e a escola devem interferir e dar a devida atenção ao problema. Alguns pais ficam indiferentes e consideram o comportamento dos filhos algo normal, mas eles não devem se enganar – principalmente porque agressões físicas e emocionais constantes podem ter efeitos fatais. “A vítima de bullying pode se sentir tão desprezada a ponto de ter ideias suicidas”, diz Ivan Capellato. Foi o que Casey confessou em entrevista concedida a um canal de TV australiano. “Além disso, existe também o risco deles desenvolverem doenças autoimunes”, completa.

Procurar a escola é o primeiro passo. Segundo Mendonça, depois de acolher e ouvir o filho com atenção, os pais devem exigir uma investigação cuidadosa feita por professores e coordenadores. É essencial estar sempre a par do que acontece na sala de aula, na hora do recreio e nos corredores, assim como manter contato com outros pais, para ajudar a tomar uma atitude caso algo aconteça. Afinal, a vida escolar da criança vai além das notas boas ou ruins. “Os pais costumam deixar os filhos na escola, ir trabalhar e esquecer, mas é preciso colocar o tema em discussão”, diz Ivan.

Para a terapeuta Cássia, o trabalho de prevenção ao bullying começa em casa, com a educação das crianças para um melhor entendimento das relações humanas. “Eles precisam aprender a conversar e a conciliar diferenças”, recomenda. Além disso, é preciso prestar atenção em todos os detalhes da vida acadêmica, principalmente no círculo social da criança e nos sentimentos dela em relação à escola. “Precisa haver uma participação maior dos pais na vida emocional e social dos filhos”, defende João David. Portanto, manter a curiosidade diante da vida da criança é essencial. Afinal, quanto mais isolado e sozinho ele estiver, mais alvo fácil ele se torna.

Segundo João David, o bullying se alimenta do silêncio. O elemento-chave capaz de livrar Casey do tormento foi exatamente o barulho ao redor do acontecimento. O vídeo possibilitou uma mudança histórica na vida do menino – e não só dele. Por trás de cada história de bullying, não há apenas a criança que está sofrendo: “Tem também o autor da agressão, uma criança insegura, com necessidade de reconhecimento social”, diz ele. “O que acontece com essas famílias de crianças que precisam usar a violência para poder se sentir alguém?”.

Marcas permanentes 

Içami Tiba concorda. Assim como a vítima tem a autoestima afetada, o agressor se utiliza da valentia como substituição de uma autoestima que ele não tem. “Os pais do agressor devem cuidar do filho tanto quanto os pais de quem é agredido. O problemático mesmo é o agressor”, diz o psiquiatra (leia mais sobre como lidar com um filho que pratica bullying). O que não pode é deixar passar. De acordo com o psicoterapeuta Ivan, ambas as crianças precisam perceber o interesse dos pais por seus problemas. “Elas devem sentir que são queridas, que os pais tomaram providências”, explica.

Por sua vez, a escola deve manter uma discussão constante e aberta sobre o bullying e mostrar seus mecanismos às crianças a fim de evitar a prática entre os alunos. “As sequelas do problema são muito graves”, diz Ivan Capelatto. E as consequências do bullying para as vítimas podem durar a vida inteira. Além da autoestima baixa, pode haver isolamento social e timidez excessiva. Segundo Cássia, sintomas físicos podem persistir até a vida adulta – como gastrite, desmaio ou sudorese – quando, por algum contratempo, as memórias e sentimentos da infância vêm à tona. “São efeitos que mexem com a identidade da pessoa e ela sempre vai ter medo de que aquilo volte a acontecer”, diz João David.

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